O romance Torto Arado, do escritor baiano Itamar Vieira Júnior, é uma obra incrivelmente brasileira que conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia. Ainda na infância, um acidente marca a vida delas; uma sofre lesões leves, enquanto a outra vai carregar as sequelas ao longo dos anos. Enquanto acompanhamos o crescimento das irmãs, também somos convidados a conhecer as agruras de quem vive daquilo que a terra oferece e de quem se vê obrigado a trabalhar em troca de moradia.
Bibiana e Belonísia, junto com o resto da família, moram em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina. Eles e todos os trabalhadores do local não são donos da propriedade, aliás, sequer podem erguer casas de alvenaria. A autorização para a moradia é concedida em troca de trabalho.
De sol a sol, os trabalhadores lidam na terra: preparam o campo, semeiam, cultivam e colhem. Todos os frutos da plantação, contudo, são do dono da fazenda. Aos moradores, é permitido plantar no quintal de casa apenas para o sustento.
Os personagens são gente do campo e carregam a simplicidade e a complexidade do que isso significa. Eles entendem do que a natureza precisa, sabem as plantas que curam e as que alimentam. Os conhecimentos passados de geração em geração garantem a sobrevivência das famílias diante das precariedades enfrentadas.
A poética de Itamar cativa o leitor pela forma simples de compor as frases, trazendo as regionalidades e as peculiaridades da vida no sertão. O autor também não deixa de explicitar o trabalho escravo contemporâneo ao qual são submetidos os moradores da fazenda. Além de mostrar a luta dos trabalhadores por seus direitos.
A narração é dividida entre Bibiana e Belonísia, assim, temos acesso aos sentimentos e a força de cada uma. Além de ter a perspectiva das duas diante do acidente e de momentos cruciais vividos por elas.
Torto Arado é uma surpresa pela simplicidade e pela revelação do sertão brasileiro. A obra escancara a vida no campo e a invisibilização social dessa população, que carece de estruturas de saúde e educação, além da proteção dos direitos trabalhistas.
Para quem está acostumado a literatura estrangeira, o livro encanta pela brasilidade, pelo realce das peculiaridades do que é ser brasileiro, incluindo a resiliência e a fé. Além da perspicácia dos personagens, característica de um povo que precisa driblar as dificuldades com criatividade e gingado. A importância do Jarê também é reflexo dessas agruras. Abandonados pelo Estado, resta ao povo recorrer a entidades superiores em busca de alívio e sobrevivência.