Reprodução
Sierra Burgess é uma Loser é o mais novo erro (vulgo, cagada) da Netflix.
Apesar de ter sido bem recebida por alguns, a mais recente comédia romântica da plataforma foi extremamente criticada — com razão — por outros. O longa é uma adaptação inspirada em uma peça teatral de 1897, o que poderia, mas não justifica, a total falta de senso da narrativa. Sierra (Shannon Purser) é uma adolescente fora dos padrões de beleza que recebe uma mensagem por engano: Jamey (Noah Centineo) acreditava ter o número da popular líder de torcida Veronica (Kristine Froseth). Desconsiderando o fato de estar sendo absurdamente sem noção, Sierra resolve continuar trocando mensagens com o garoto, mesmo sabendo que ele pensa estar falando com outra pessoa, e, obviamente, eles acabam se apaixonando.
Acredito — e espero — que não seja necessário mais explicações de porque o filme é uma total gafe. Caso contrário, basta assisti-lo para entender.
A questão é que, em meio ao péssimo roteiro e a completa inexpressividade da atriz principal, surge uma luz: a música Sunflower, interpretada pela própria Sierra. Não que ela compense os 105 minutos desperdiçados do pobre espectador, mas, pelo menos, faz 1 minuto e 40 segundos valerem a pena: letra e melodia finalmente permitem a identificação com a personagem e levam quem assiste, desprevenido, a se emocionar.

O poder da música no audiovisual pode passar despercebido por alguns, mas, com certeza, é sentido por todos. Do coração acelerado, por motivos de “música tema extremamente tensa” — consideremos Tubarão ou qualquer filme de terror que preste — até lágrimas excessivas e embaraçosas, a trilha sonora não somente potencializa nossas emoções, como as inspira. Complementando a narrativa, as músicas, quando bem implementadas, preenchem o silêncio incômodo, resquício do mundo real, e nos transportam para dentro dos filmes e, também, dos personagens. Um diálogo bem construído ou uma atuação intensa não necessariamente são as melhores formas de transpassar emoções, afinal, a complexidade do íntimo humano ainda está longe do nosso entendimento. No entanto, uma melodia pode dizer muito a quem assiste: ouvir determinada música nos conecta com aquilo que o personagem estaria sentindo justamente porque ela desperta em nós tais emoções.
Enfim. A trilha sonora claramente não é mero detalhe que pode ser composto de qualquer forma. Não basta descarregar uma playlist “foda” em cima de um filme meia-boca na tentativa de torná-lo extraordinário da noite para o dia. Não é assim que funciona. Se as músicas não tem coesão com a história, de nada adianta. Time Of My Life, de Dirty Dancing, marcou uma geração porque ela foi a escolha certa para aquele momento do filme, não simplesmente por ser uma boa obra. Assim como Eye Of The Tiger não teria se tornado icônica se não fizesse sentido para Rocky III.

É estranho pensar que podemos facilmente nos emocionar ao ouvir um trecho de determinada música, num momento aleatório do dia, não necessariamente por entendermos a letra, mas porque ela nos remete ao que se passava no filme quando ela foi tocada. A intensidade com que tal cena ficou marcada na nossa memória tem tanto a ver com a trilha sonora quanto com a atuação dos atores, fotografia, edição, etc.
A construção da trilha está, também, intimamente ligada à construção de um legado. Vejamos Harry Potter e Star Wars, por exemplo. Mesmo quem não é fã consegue identificar as músicas temas dessas duas franquias sem maiores dificuldades. É por isso que os novos filmes, derivados de tais franquias, permanecem carregando nem que seja uma leve semelhança com as trilhas originais: é uma questão de identidade.

Não só uma questão de identidade, como também de qualidade. Um filme se torna exponencialmente melhor quando provido da trilha sonora certa. Ninguém assiste filmes com a intenção de permanecer totalmente indiferente à história, de não sentir absolutamente nada. Se fosse o caso, qual seria o propósito? O ser humano é, e sempre foi, entusiasta com relação aos seus próprios sentimentos: ele procura se emocionar. Sendo assim, um filme com uma boa trilha significa uma possibilidade imensa de emoções ao espectador que, fascinado, se deixa levar pela melodia.
E não finja que a trilha sonora não mexe com os seus sentimentos. Tente ouvir Circle Of Life, de Rei Leão, sem se sentir ao menos ligeiramente eufórico e nostálgico e falhe miseravelmente. Para quem é capaz de tal façanha: saiba que algo está indiscutivelmente morto dentro de você.

Escrito por

Luara Rodrigues

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *