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Hoje eu pensei em falar da vida. Também pensei em falar da morte. Ou do legado. Ou do samba-enredo da Mangueira. Ou talvez do Wagner Moura e a placa em Berlim. Mas depois de 1 ano todo mundo já sabe, porque todo mundo já leu.
Não digo que não é importante, porque é: a placa, o samba e o assassinato. Mas eu não quero falar disso. Não quero falar sobre a impunidade e sobre a politicagem nojenta por trás da morte de mais uma mulher. Eu quero falar do Marielle, presente!. Porque ela está presente. É difícil, hoje, olhá-la sem a ideia de mártir, sem uma noção romantizada do que ela foi, tendo em vista o acontecido. Sim, ela será e está sendo lembrada por seus trabalhos e pela sua representatividade, pelo seu fomento à mudança. Marielle Franco recebe os devidos créditos pela mulher que foi. Por ser mulher, por ser negra, por ser bissexual e ter chegado lá.
Mas é indiscutível que grande parte da comoção em torno dela vem do seu assassinato e do prolongamento da investigação em torno do caso. Talvez, se tudo tivesse sido esclarecido logo depois de sua morte, não estaríamos falando dela hoje. Isso me entristece. Me entristece saber que, na maioria das vezes, passa batido e que é necessário uma tragédia para gerar a mobilização que estamos vendo em torno dos direitos das minorias, motivados pela frustração diante da atrocidade do seu assassinato.
É triste saber que a gente, como povo, precisa de um estímulo trágico de vez em quando. Porque vamos levando e levando e é preciso um tapa na cara para percebermos as Marielles ao nosso redor. Não dá. Não dá para ser assim. Ninguém precisa virar mártir. Não há necessidade de feitos incríveis ou histórias extraordinárias. Eu quero olhar para o lado e saber que não preciso de mais uma calamidade para valorizar a minha luta e as minhas conquistas.
Eu olho para o lado e vejo mulheres à minha volta. Vejo mulheres gigantes, que, por vezes, se sentem pequenas. Vejo mulheres que acordam cedo – cedo demais para mim, que sou privilegiada – e pegam dois ônibus para a faculdade. Algumas, dois ônibus e um trem. Vejo mulheres fortes que querem falar de esporte no mundo dos homens. E falam. Eu que nada entendo do assunto e, para falar a verdade, pouco me interesso, me encanto quando ouço elas falarem. Porque elas sabem e elas entendem. Porque elas podem.
Eu vejo mulheres que discutem política com propriedade. Mulheres que sempre tem um conhecimento novo, todo dia, toda hora. Mulheres curiosas. Que leem livros e mais livros e mais livros. Mulheres com corações imensos e sem espaço para julgamentos.
Eu vejo mulheres que me inspiram e me enchem de orgulho. Mulheres que me fazem acreditar….
Eu vejo Marielles em todo lugar. Por isso, Marielle, presente!
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