Com a chegada do Festival de Veneza, nenhum filme conseguiu gerar mais notícias do que Não Se Preocupe, Querida. Desde a rixa entre a diretora Olivia Wilde e a protagonista Florence Pugh até os rumores acerca do pagamento desigual, o filme certamente ganhou os holofotes e angariou muitos curiosos para ver o circo pegando fogo também nas telas.
A obra apresenta logo de cara o bairro perfeito dos anos 1950, com ruas sem saída, carros encerados e, claro, jovens casais apaixonados. Jack (Harry Styles) e Alice Chambers (Pugh) são um duo perfeito. Eles cozinham, bebem, transam e são felizes o tempo todo. Jack trabalha para o Projeto Victory, empresa misteriosa responsável por manter o bairro e cujo fundador, Frank (Chris Pine), é igualmente cheio de mistérios.
Não demora muito para a personagem de Pugh começar a se questionar sobre as diversas incongruências apresentadas pelo bairro e por aqueles que ali habitam. Wilde opta por uma estratégia simples, mas efetiva, na direção. O senso de estranhamento e o cinismo do mundo criado pela roteirista Katie Silberman é transpassado ao espectador através do uso do primeiríssimo plano e de cortes brutos, algo costumeiro com diretores contemporâneos, como Jordan Peele.
Por falar no diretor de Corra! (2017) e, mais recentemente, de Não! Não Olhe! (2022), Olivia Wilde claramente utiliza Peele como inspiração aqui. Não apenas no modo de filmar, mas também na forma de conduzir a trama, que busca sufocar a protagonista no ambiente. Se em Corra! o protagonista é refém na casa de sua namorada, em Não Se Preocupe, Querida, Alice é refém do bairro perfeito. A diferença, porém, está na sutileza que a crítica proposta é tecida.
Assim que Alice percebe que algo está errado, todos e todas tentam amenizar a situação da jovem. “Você teve uma noite difícil”, “pare de ser histérica”. Não se preocupe. Da mesma forma que a crítica procurada por Wilde passa a ser cada vez mais óbvia, o filme também perde o fôlego inicial no seu andamento.
É curioso, inclusive, analisar a obra em comparação com o trabalho de estreia da diretora. Fora de Série (2019) estreou com pouca pretensão e conseguiu crescer aos poucos por sua qualidade e sensibilidade de tratar de temas como virgindade, sexualidade e amizade. Aqui, Olivia Wilde parte para outro extremo e busca ser agressiva, com um elenco estelar e ambições altas – o que é perfeitamente compreensível. O problema, porém, é o abandono dos elementos que a permitiram ser tão ambiciosa.
O que pretende ser uma crítica à retomada dos “velhos costumes” passa a ser apenas um reforço da celebração do machismo como fetiche. Nem mesmo a performance mais uma vez extraordinária de Florence Pugh consegue tirar o filme desse impasse. Afinal, Midsommar (2019) faz um papel muito melhor em apresentar o gaslighting e outras estratégias de redução da mulher, então por que gastar meu tempo com uma versão pior e mais óbvia?
Assista ao trailer: