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Saudade dele

Saudade dele

A pandemia deu novos significados a algumas palavras e reforçou seus usos no nosso dia a dia. Uma delas é a palavra saudade. Passamos a sentir uma saudade constante: da família, dos amigos, da rotina antes da pandemia, dos pequenos prazeres e até mesmo daquilo que nos incomodava. E, para os amantes da sétima arte, um dos prazeres que mais faz falta é o cinema (e tudo o que envolve uma ida até lá).

A experiência começa na escolha do filme, depois, do horário da sessão (o que, às vezes, te faz voltar para o primeiro tópico, já que nenhum é compatível à agenda). Decidido: Coringa, sessão das 21h15, Shopping Praia de Belas.

Mas a jornada continua. Se você, assim como eu, é do time dos atrasados, sempre acontece de chegar e ter que ir correndo para bilheteria. Pega a fila já impaciente, pensando que vai não vai dar tempo, afinal, ainda precisa comprar a pipoca! Ingresso comprado, já aproveita e pega o ticket da pipoca para agilizar. Poltronas de cima e no meio para ter a melhor visão (ou a que tiver – quem nunca teve que sentar na fileira de baixo, em cima da tela?). Fila da pipoca. Tique-taque. Metade doce, metade salgada. Equilibra pipoca, refri e ingresso. Acha a sala. Entra naquele salão escuro, passa pelo corredor iluminado nos cantos, sobe as escadas forçando os olhos para enxergar os degraus, procura a poltrona desajeitadamente. Senta. Respira. As luzes se apagam. A sessão vai começar.

Primeiro, é claro, passam as instruções de segurança e os lembretes para desligar os celulares (e mesmo assim, sempre tem aquele que deixa ligado). Entram os trailers, feitos especialmente para te deixar com vontade de voltar ao cinema antes mesmo de ter saído de lá. E, então, antes mesmo que te dê por conta, tu já está imerso naquela tela imensa e na história que ela está te contando.

Lembra que eu disse que a gente sente falta até daquilo que nos incomodava antes?

A sessão está perfeita até alguém querer levantar no meio e ficar passando na tua frente. Ou, o celular de alguém tocar (tsc tsc). Ou, um bebê começar a chorar (opinião possivelmente impopular: cinema não é lugar para bebês). Ou, ainda, surgir uma pessoa que precisa ficar comentando o filme em voz alta.

Conta para mim, você não aceitaria sem pensar duas vezes todas essas coisas que irritavam só por uma ida normal ao cinema?

Sim, eu iria feliz da vida. E, sim, eu teria prazer em reclamar de cada uma dessas coisas. Ah, sinto falta dessas pequenas chateações que compunham o nosso universo pré-pandemia.

Reencontro

Depois de tanto tempo que nem sei dizer quanto, estou de volta ao cinema. A sessão é um pouco diferente da que contei acima. Essa é uma cabine de imprensa. Uma exibição antes da estreia do filme para que veículos de comunicação assistam e contem sobre o que acharam. As cabines são sempre pela manhã, coisa que sempre tornou a experiência inusitada. Os shoppings, assim como as pessoas, estão recém acordando e se organizando para mais um dia.

O fato de ver um filme antes da estreia dá um gostinho chique de exclusividade, confesso. Apesar de não ter sido uma ida ao cinema unicamente pelo lazer, reencontrar esse espaço (que cheguei a frequentar semanalmente em alguns períodos) parece uma promessa de que a vida pode e vai voltar ao normal.

Imergir naquela tela gigante, deixar me levar pelo som (literalmente) do cinema, embarcar na poltrona rumo ao universo de fantasia (ainda que por apenas duas horas) é um respiro desses dias de Brasil.

Anseio por poder voltar com os meus amigos, dividir a pipoca e lanchinhos, sair comentando as melhores e as piores cenas, prometendo voltar para ver aquele filme que passou nos trailers. Ou, quem sabe, ter um date no cinema (não venham me dizer que isso é cringe, jovens). Um date para realmente assistir ao longa! Já passei do tempo de gastar dinheiro para não ver o filme. Também sinto saudades (olha aí essa palavrinha de novo) daquela ida de última hora, sem planejamento, em que tu te leva sozinha ao cinema, e aproveita a própria companhia.

Ah, parece que me tornei uma senhora nostálgica que anseia pelos dias que já se foram e não voltam mais, pela vida que a gente tinha e foi interrompida pela pandemia. Não quero viver o que já vivi, tampouco quero viver o que estou vivendo. Quero viver o amanhã, o que virá depois da pandemia, quero viver o que ainda não vivi.

Enquanto isso não acontece, vou vivendo de saudades dele, do meu cineminha à moda antiga, como a boa senhora nostálgica que me tornei (ou será que a pandemia tornou?) E, quando dá, vou matando um pouquinho das saudades das telonas desse novo (espero que temporário) formato.


Leia também a crônica Uma Senhora Nostálgica. Clique aqui.

Escrito por

Caroline Oliveira

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