Blasting News |
Um homem está dirigindo um carro. Ele para no semáforo, seguindo a lei. De lá, porém, não sai. Não vê que a luminária trocou de cor, do vermelho para o verde. Não vê que o sinal abriu. Os motoristas que estão atrás começam a ficar indignados. Buzinam, reclamam. Um, mais estressado, até sai do carro para ver o que está acontecendo. Quando chega perto do homem que está parando o trânsito, uma surpresa. Dentro do carro, apavorado, o homem fala “estou cego”.
Daí até o momento em que todos que fazem parte da bolha social do homem ficaram cegos também, é questão de horas, dias.
Estou falando de Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. Estou falando, também, do Brasil.
Domingo, dia 09 de junho. O site de notícias The Intercept Brasil divulga três matérias exclusivas com conversas vazadas entre Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e outros procuradores da Operação Lava-Jato. Nas conversas, dois medos mútuos: o do PT continuar forte nas eleições de 2018 e o de Lula continuar livre.
As matérias, de caráter explosivo, evidenciam que o sistema judiciário que julgou o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, está tomando decisões partidárias contra o réu – antes mesmo dele se tornar um. Deltan comemora o achamento de uma matéria de 2010 de O Globo que fala, pela primeira vez, sobre um apartamento triplex no Guarujá. Esse apartamento se tornaria, nos anos seguintes, o carro-chefe para a prisão de Lula.
Marlene Bergamo / Folhapress |
Como com qualquer matéria de caráter explosivo – como aquela em que vazam conversas entre Joesley Batista e Michel Temer; ou aquela entre Dilma e Lula, em que ambos decidem tornar o ex-presidente ministro-chefe da Casa Civil, para que ele tivesse foro privilegiado -, o que se esperava aqui era uma grande comoção do público contra uma das maiores operações da história. Afinal de contas, parece que ela está corrompida.
No dia seguinte, porém, uma surpresa. Em primeiro lugar nos trending topics do Twitter, #EuApoioALavaJato. Uma onda reversa. Quem deveria estar sendo criticado, na verdade, está sendo defendido. As mensagens, aliás, cobram que o jornal The Intercept divulgue materiais de outros juízes e procuradores. “Por que não escolheram vazar mensagens do Marco Aurélio [em alusão ao ministro do STF]?”, dizia um dos tweets.
Ora. Até poderiam ter escolhido vazar mensagens do Marco Aurélio, mas isso não aconteceu. O que aconteceu é que vazaram mensagens do Sérgio Moro e essas são alarmantes. O fato de não ter aparecido mensagens de um, não acaba com a relevância de outra.
E há muita relevância nessa matéria. Pode não parecer, mas legislativo, executivo e judiciário não devem e não podem se comunicar. Eles devem se monitorar. Assim, procuradores não podem planejar ações para “evitar que Haddad ganhe no segundo turno”. Procuradores devem se basear em fatos claros. Não em convicções.
O fato de muitas pessoas não aceitarem as evidências e provas divulgadas ontem pelo The Intercept Brasil mostram que aquele papo de “primeiro a gente tira a Dilma e depois o resto” e de “Brasil anticorrupção” são nada, a não ser balela.
É assim há tempos. Parece que as pessoas estão em uma epidemia de cegueira coletiva. No entanto, diferente do livro de Saramago, em que a falta de visão não tem uma causa específica, essa parece estar bem evidente: a vergonha. Afinal, é difícil admitir o erro.