Bem antes de The Hand of god – A mão de Deus, mais precisamente em 1998, Paolo Sorrentino escreveu o roteiro do seu primeiro filme The Dust of Napoles (O pó de Napoles). De lá para cá, presenciamos a ligação universal e afetiva, entre o diretor e sua origem napolitana.
Depois de retratar homens adultos, uns no auge, outros já na fase descendente de suas vidas, Sorrentino encara sua própria infância nas ruas de Nápoles, através de sua autobiografia, caracterizada por dois elementos-chave: a expectativa pela chegada de Diego Armando Maradona ao clube da cidade e uma tragédia familiar. O diretor nos leva por um ambiente colorido-vivo para algo mais entristecido e solitário.
Em seu projeto mais recente e mais íntimo da carreira, vemos ele explorar as belas paisagens da cidade costeira italiana de um modo intenso, instigando nossos desejos a conhecer esse lugar tão mágico. Vale ressaltar que a narrativa é no formato coming-of-age (amadurecimento) sobre Fabietto (Filippo Scotti). Acompanhamos o jovem protagonista desbravando e descobrindo a vida: compreendendo a sua excêntrica família, seu gosto pelo futebol e sua reverência a Maradona, além de experimentar o amor, o sexo, e o sofrimento de perda.
Fabietto, sempre portando seu walkman e seu discreto brinco na orelha esquerda, é um rapaz sem nenhum amigo, mas com diversos familiares, que vive em Nápoles nos anos 80. A trama da família gira em torno dos rumores da suposta chegada do craque argentino ao clube da cidade. O jovem e seu irmão mais velho, Marchino (Marlon Joubert), sonham com a possibilidade de o jogador se juntar ao Napoli, clube a qual são apaixonados. Seu pai Saverino (Toni Servillo) duvida que isso possa ocorrer. A dinâmica familiar conta, ainda, com a mãe Maria (Teresa Saponangelo), que vive um relacionamento aparentemente feliz e integro com seu marido Saverino, e que tem uma estranha adoração em pregar peças nas pessoas – muitas das cenas mais engraçadas giram em torno disso.
No enredo ainda temos alguns personagens singulares, especialmente a instigante tia Patrizia (Luisa Ranieri), musa de Fabietto e que tem uma história pessoal tristíssima, que marca o começo e o final do filme. Muitas cenas brilham, como a do pai usando uma longa vara para mudar de canal na TV. Um televisor com controle remoto, para ele, é um sinal de excesso injustificado. “Somos comunistas”, diz ele.
Vale o destaque para a atuação de Filippo Scotti, que funciona muito bem como o jovem Sorrentino. O diretor trabalha o garoto com uma abordagem naturalista, sem exageros, realmente como um observador de sua própria vida. O jovem pouco interfere na história em si, o que, por diversas vezes, leva o espectador a querer saber mais sobre os demais personagens ao redor dele, seja a baronesa solitária vizinha da família Schisa, seja Patrizia, ou os demais e alegóricos tios, tias, avós e avôs que se destacam em uma série de sequências deles juntos no casarão da matriarca.
A questão técnica é o ponto alto do filme, desde a belíssima fotografia de Daria D’Antonio, passando pelo uso da trilha sonora em passagens marcantes, até o cenário e a ambientação da Itália nos anos 80. O filme está disponível na Netflix.
Assista ao trailer:
Crítica escrita por Victor Dellazeri