Uma das coisas mais difíceis para quem trabalha com a escrita é conseguir fazer uma equação em que a maioria das palavras usadas numa frase façam sentido, e consequentemente, impactem o receptor da mensagem: o leitor. Sentimos essa dificuldade o tempo inteiro como jornalistas, e sentem também publicitários, relações públicas, professores e, claro, escritores, que usam de sua criatividade para encantar o mundo com a leitura. Quem tem essa habilidade e faz isso de uma maneira majestosa é o escritor angolano radicado em Portugal Valter Hugo Mãe. Uma de suas obras que mais refletem essa característica é “O Filho de Mil Homens”. 

O Filho de Mil Homens
Foto: Daniel Giussani

“O Crisóstomo estou levantou-se, atravessou o quarto, saiu, foi ver o Camilo deitado e beijá-lo para dormir e disse-lhe: nunca limite o amor, filho, nunca por preconceito algum limite o amor. O miúdo perguntou: porque dizes isso, pai. O pescador respondeu: porque é o único modo de também tu, um dia, te sentires o dobro do que és.”

 “O Filho de Mil Homens” conta a história de Crisóstomo, “um homem que chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter tido um filho”. Com vontade imensa de ser pai, o protagonista conhece o órfão Camilo, que um dia aparece em sua casa. Ao redor dos dois, aparece também Isaura, uma mulher rejeitada na aldeia por não ser mais virgem. Daí, outros personagens aparecem, testemunham e discutem a invenção e construção de uma família. 

Dividido em 20 rápidos capítulos, Hugo Mãe dança no ritmo de uma poesia que emociona o leitor o tempo inteiro. A luta por se fazer existir, o entendimento do amor, da família e do outro e a busca dos sonhos são assuntos que aparecem sutilmente, e te impactam de uma maneira como poucos livros conseguem fazer. Você termina um capítulo e tem a sensação que cada palavra posta no livro foi usada e pensada para estar ali. Tudo é importante, nada é desperdiçado. 

O ponto alto do livro, por todos esses motivos, claro, é a maneira como o autor mergulha nos sentimentos humanos. Justamente por isso, há muitos momentos de dor e sofrimento nessa história. Nem por isso a trama se resume a um doloroso drama. Há vários escapes engraçados, sátiras da sociedade e alívios cômicos que deixam o texto ainda mais fluído. 

Enfim, ler “O Filho de Mil Homens” é como fazer uma jornada pelos nossos próprios sentimentos, nossos medos, dores e dúvidas. É também se encantar e ver em cada personagem, por mais simples que for, por mais banal que pareça ser, uma história de triunfo pessoal. É, sem dúvida, um dos melhores livros escritos recentemente. Tudo se encaixa na obra, numa excelente equação. 

“Todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se os nossos mil pais e mais as nossa mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós” 

O Filho de Mil Homens

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5.0/5
Escrito por

Daniel Giussani

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