EPISÓDIO 8

Ouço o barulho do trem chegando na estação Mercado, acelero o passo para não perdê-lo, mas, como sempre, preciso esperar exasperada atrás de alguém totalmente sem pressa na escada rolante. Chego no instante em que as portas se abrem e um mar de gente se atira para dentro dos vagões na disputa por um lugar para sentar. Hoje estou com sorte e consigo um cantinho no chão para me acomodar. Agradeço que é o trem velho e sem ar-condicionado porque de manhã saí atrasada de casa e esqueci o casaco. No trem novo, eu chegaria congelada. 

Foto: Nathália Gomes / Reprodução Instagram Trensurb

A viagem até São Leopoldo é longa. Abro meu livro e fico completamente alheia ao meu redor. O tempo, as páginas e as estações passam. A cada parada entram e saem pessoas, os lugares vagos são logo ocupados por novos passageiros cansados. Volto ao livro. Mais um tempo se passa e no meio da história percebo que perdi a noção de qual estação estou. O trem está desacelerando, mas não consigo entender a estação que o maquinista diz. Levanto a cabeça e espio pela janela. Primeiro, vejo a cidade passando como um borrão, pesco fragmentos de prédios e árvores com meu olhar. Como num quebra-cabeça, eles me ajudam a entender onde estou. São anos viajando pela Região Metropolitana, são anos de uso diário do trem. Estação Canoas. Uma das que eu mais conheço. Toda semana desço ali para ir na terapia ou para encontrar minha mãe no trabalho. 

Volto novamente ao livro. Onde é que eu parei? Ah, sim. Achei. Mergulho na história e esqueço do mundo porque sei que ainda me restam algumas estações. O trem e minha leitura aceleram, ele devorando os trilhos que cortam as cidades e eu, as páginas e personagens. Me remexo no chão, as pernas dormiram, levanto e me escoro na parede do vagão. Sigo a minha leitura. De relance, percebo que o número de árvores aumentou, sinal que estamos passando perto da divisa entre Sapucaia e São Leopoldo. A leitura continua, mas já não me deixo entrar de cabeça na história. Um parágrafo, uma espiada. Até que o autor me vence e me puxa com tudo para suas palavras. Me perco na minha própria imaginação. Opa, o trem tá parando! É a estação Rio dos Sinos. É a minha estação. Hora de descer. Saio apressada, mais pelo hábito de estar correndo do que pela necessidade. 

Deixo para trás os trilhos e o meu livro. Apenas até amanhã. 

 

Crônicas de Sexta

Este texto faz parte do projeto ‘Crônicas de Sexta’. Leia mais:

A arte do projeto é da Vitória Cristofolli. Acompanhe o trabalho dela aqui: @nuncanemvit_

Escrito por

Caroline Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *