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No último 31 de março, enquanto o Brasil via seu presidente exaltar o regime militar, a Polônia testemunhava a queima de livros por padres católicos – entre os exemplares, livros das sagas Harry Potter e Crepúsculo, acusados de promoverem “feitiçaria”. O retrocesso embutido em ações como essas diz muito sobre o contexto global atual: o avanço da onda conservadora e extremista é uma realidade perturbadora que segue uma linha tênue rente à tempos passados.
Index Librorum Prohibitorum é o nome da lista de livros proibidos pela Igreja Católica durante a Inquisição, nos anos 1500, que acabaram nas fogueiras em um período sombrio da história da humanidade. Muito tempo antes, em 213 a.C., na China, a Dinastia Chin mandava queimar obras de adeptos ao Confucionismo (sistema filosófico chinês), acusados de subversão.
Bastam poucos exemplos para se perceber que a queima de livros é, infelizmente, uma realidade recorrente ao longo dos anos e ao redor do mundo.
Em governos autoritários, a prática foi estratégia para neutralizar a oposição em diversas ocasiões. Em 1933, em uma ação organizada pelo ministro da propaganda da Alemanha nazista, estudantes que simpatizavam com o regime invadiram uma biblioteca de Berlim e queimaram milhares de livros em praça pública. Tudo que pregasse a decadência moral e cultural ou que “falsificasse” a história deveria ser eliminado. Qualquer semelhança com discursos atuais é mera coincidência, é claro.
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“Os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados”, disse o general da reserva, Aléssio Ribeiro Souto, ligado ao então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, em setembro do ano passado. “O papel do MEC é […] preparar o livro didático de forma tal que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história”, disse o agora ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez, sobre possíveis mudanças nos materiais escolares para “resgatar uma versão da história mais ampla”, se referindo, também, à ditadura militar.
Tentativas de reescrita do passado podem parecer indignas de preocupação para alguns, que também não veem o perigo em projetos como o Escola Sem Partido, por exemplo. Talvez falte, a essas pessoas, justamente a leitura de alguns livros. As marcas deixadas pelos clássicos de George Orwell, 1984 e A Revolução dos Bichos, são permeadas de angústia e um certo pessimismo justificado: nas distopias, o controle de todo material escrito é o que sustenta um regime totalitário aparentemente sem escapatória. O autor desenvolve o contexto em que qualquer registro histórico é modificado quando convém ao governo, menosprezando fatos e as certezas do personagem principal, que começa a duvidar de seus próprios conhecimentos e vivências: afinal, se algo só existe na sua memória, existe de fato?
Em Fahrenheit 451, o autor Ray Bradbury cria uma sociedade em que os livros são proibidos, sendo responsabilidade dos bombeiros, queimá-los. Assim como nas história de Orwell, um futuro absurdo acaba por trazer similaridades desconcertantes com o período atual e leva o leitor a uma série de penosas reflexões.
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A barbárie aparentemente enraizada no ser humano, no entanto, insiste em queimar: já queimamos mulheres, judeus, índios, negros, homossexuais, transexuais… Queimamos os livros, constantemente. E insatisfeitos em meio às cinzas de tudo aquilo que construímos e destruímos, queremos queimar mais.
No memorial da queima de livros em Berlim, a frase do poeta Henrich Heine – escrita 100 anos antes do nazismo – ressoa através do tempo, até os dias de hoje:
“Isso foi apenas um prelúdio: ali, onde se queimavam livros, ao final queimavam-se também pessoas.”
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