Autores famosos ou consagrados precedem as apresentações de suas obras. É o caso de Rick Riordan, escritor do livro infanto-juvenil A filha das profundezas. Riordan ficou mundialmente conhecido após lançar, em 2005, a saga Percy Jackson e os Olimpianos, que ganhou até adaptação nos cinemas. Na sequência, emplacou séries sobre mitologia romana, egípcia e nórdica. O homem é uma máquina de escrever (e vender) livros, o que torna Riordan um dos principais escritores da literatura infanto-juvenil.
Contudo, ao contrário das suas obras anteriores, em A filha das Profundezas, o autor decidiu navegar por outros mares: ele abandonou o mundo mitológico para embarcar nas histórias de Júlio Verne. Vinte mil léguas submarinas, A volta ao mundo em 80 dias e A ilha misteriosa são alguns dos clássicos do autor francês do século XIX. O primeiro, especialmente, inspirou Riordan a fazer uma releitura das histórias do Capitão Nemo neste novo livro.
A filha das Profundezas conta a história de Ana Dakkar, uma estudante da Academia Harding-Pencroft, escola especializada em tecnologia e pesquisa marítima. Os pais de Ana morreram em uma expedição científica dois anos antes, e a única família que tem é o irmão mais velho, Dev, que também é aluno da HP.
A jovem e os outros alunos de sua turma se preparam para uma prova importante e secreta. Porém, uma tragédia muda os rumos da sua vida e a de seus amigos. Ao invés de encarar uma prova, os adolescentes se deparam com uma missão em alto mar; dela depende o futuro deles e da humanidade.
Para dificultar, a escola rival, o Instituto Land, está no seu encalço. Ao longo da jornada, junto com Ana e seus colegas, vamos entendendo as motivações e os objetivos de ambas as escolas, e porque o Instituto Land está disposto a perseguir os estudantes da HP.
A conexão entre o mundo de Ana e o de Júlio Verne é feita pelo Capitão Nemo, ou, melhor dizendo, pelo seu legado. Neste ponto, surgem os primeiros desconfortos com a narrativa. O Capitão Nemo, segundo Verne (e também na história de Riordan), é um grande navegador e explorador dos mares, capaz de feitos impressionantes e um quê de genialidade. Contudo, considerando a bagagem de Riordan com a mitologia, o leitor espera uma explicação para tais conquistas e inteligência. Nas sagas anteriores, o público embarcava nas peripécias dos adolescentes por conta da sua descendência: nada menos do que deuses.
Em A filha das Profundezas, Nemo é dono de invenções que sequer cogitamos serem possíveis. A tecnologia desenvolvida por ele poderia mudar o mundo em que vivemos. O Capitão teria descoberto sozinho tais maravilhas no século XIX. Diferente das mitologias, Nemo não tem nenhum parentesco com os deuses, tampouco foi picado por uma aranha radioativa, vem de outro planeta ou nasceu com superpoderes. Ele é absolutamente humano. Talvez esteja sendo cética demais, mas acho pouco crível um único indivíduo desenvolver tantos avanços sozinho com recursos tão escassos.
O ponto alto das narrativas de Riordan é a fluidez com que os capítulos surgem. No novo livro, o autor trabalha a importância da família, da amizade e da lealdade através, principalmente, da história de Ana. É interessante perceber que Riordan está atento às mudanças que o mundo vive. O autor incluiu na sua narrativa personagens mais diversos e complexos: Ester é uma das amigas de Ana e tem autismo, Gemini é negro e mórmon e Nelinha é brasileira (o que para os padrões estadunidenses é bem inclusivo). Aliás, a própria família de Ana é indiana, o que foge dos clássicos protagonistas ocidentais. É interesse perceber o cuidado do autor com detalhes da cultura indiana ao longo da história e como adquiri importância na trama.
Com um roteiro que diverte, traz aventuras, muitas reflexões sobre perdas, coragem e amizade, além das inúmeras referências à obra de Júlio Verne, A filha das profundezas traz um olhar único sobre os erros e acertos daqueles que vieram antes de nós, e com o que decidimos fazer com aquilo que a vida nos dá.
Mas, um aviso: sinto cheirinho de continuação no ar!