Ao som de “Monólogo ao Pé do Ouvido”, de Chico Science e Nação e Zumbi, o longa que marca a estreia de Wagner Moura como diretor começa com um assalto a um trem que transportava armamento militares. A cena faz com que o polêmico “Marighella” se apresente de forma atraente. Uma boa cena de ação que diz muito sobre o que foi a luta armada, assim como a letra que Chico Science entoa na canção de abertura: “banditismo por necessidade, banditismo por uma questão de classe”.
Passados dois anos desde seu lançamento internacional, em que foi aplaudido de pé no Festival de Berlim, “Marighella” finalmente chega às salas brasileiras. O medo que a obra causa nas autoridades atuais do Brasil é compreensível: no longa, vemos um protagonista negro como principal articulador e pensador da revolta armada que insurgiu pouco depois do Golpe Militar de 1964.
Seu Jorge dá vida a Carlos Marighella, numa atuação que me surpreendeu positivamente, não por duvidar das capacidades do ator, mas por entender que, ao se tratar de um herói guerrilheiro, seria um desafio mostrar o lado humano dessa figura tão distorcida por boa parte da mídia. O roteiro se esforça ao máximo em mostrar que as motivações de Marighella eram genuinamente humanitárias. Como a trama se concentra nos últimos anos de sua vida, o filme propositalmente mostra um maniqueísmo, exemplificado especialmente em seu antagonista, o delegado Lúcio (Bruno Gagliasso).
Há quem diga que o filme usa em excesso frases de efeito, o que é compreensível, pois cada personagem é um arquétipo da época. É uma decisão que não contesto, afinal a produção também se preocupa em ser popular, e não somente falar com quem já conhece minimamente a história de Carlos Marighella. Mesmo com frases prontas, momentos como o revide do grupo revolucionário às ações de um governo fascista dão chances ao elenco competente exercer sua função. Destaque também para Humberto Carrão e Bela Camero.
Ao final do filme, uma ruptura com que muitos podem esperar, mostra Marighella não como um herói, ou uma figura centralizada, e sim como um ideal, uma ideia a ser alimentada pela história, que possa inspirar novas figuras e movimentos contra regimes autoritários. Isso deixa claro que o boicote ao filme, provocado pelo atual governo e seus seguidores, nada mais é do que medo, pois a obra tão bem produzida e acessível é uma oportunidade de mão cheia para desmascarar o revisionismo barato e as mentiras espalhadas por quem merece estar no esgoto da história.
2 Comments
Ótima análise! Esse trecho sintetiza tudo: “ Ao final do filme, uma ruptura com que muitos podem esperar, mostra Marighella não como um herói, ou uma figura centralizada, e sim como um ideal, uma ideia a ser alimentada pela história, que possa inspirar novas figuras e movimentos contra regimes autoritários.” 👏🏼
Obrigada, Thayná! Marighella é um dos melhores filmes nacionais, certamente. Estamos sempre atualizando o site com novas estreias, fica de olho 🙂 Beijos!