Pedro Almodóvar é um dos nomes mais importantes do cinema internacional — apesar de Tom Holland não conhecê-lo (risos). Ainda que não seja algo novo em sua filmografia, Almodóvar parece especialmente dedicado em seus filmes recentes a trabalhar o tempo em larga duração histórica, lançando um olhar para seus efeitos sobre personagens e ambientes. Desde o comovente Julieta (2016), passando pelo intimista Dor e Glória (2019) e chegando agora ao novelesco Mães Paralelas (2021), tem sido comum ao diretor apresentar suas narrativas a partir de uma dialética entre passado, presente e futuro para extrair daí uma sensibilidade atemporal sobre os objetos de suas histórias.
A maternidade é um assunto que atrai Almodóvar durante toda sua carreira, mas para além da análise interior, o que faz o autor tão genial é a sua forma de aproximar o público de temas conflitantes e que parecem complexos demais para serem desenvolvidos em uma história. Mães Paralelas segue a premissa e o ideário sirkiano que Almodóvar está acostumado a desenvolver em seus filmes.
A obra acompanha duas mulheres que, por decorrência do destino, acabam por parir quase que simultaneamente no mesmo hospital. Deste encontro, as novas mães, ambas solteiras, criam um laço que se entenderá por toda a história.
Uma delas é a fotógrafa Janis (Penélope Cruz), que engravidou após uma relação casual com o antropólogo forense Arturo (Israel Elejalde). Apesar de a gravidez ter sido um acidente e dela ver que não teria o apoio do pai da criança, Janis entende que estava na hora de ser mãe e seguir com a tradição das mulheres da família: “ser mãe solteira, como minha mãe e minha avó”. Já a jovem Ana (Milena Smit), filha de pais separados e com apenas 17 anos, está em situação oposta: uma gravidez indesejada com grande potencial em traumatizar sua vida. Após perderem contato, as duas se reencontram alguns meses depois em situações distintas: Janis suspeitando que a filha entregue na maternidade não seja sua e Ana buscando conforto após a perda prematura de sua filha.
As mulheres aqui estão em uma fase de ajustes pessoais, de algumas descobertas e entendimento de si em diferentes fases da vida. As maternidades paralelas indicam a representação do amor e do comprometimento em diferentes gerações, assim como o olhar para a feminilidade em fases diferentes da vida e a posição de cada uma dessas mulheres para com o mundo que as cerca.
Em paralelo, Pedro Almodóvar vai além de uma história sobre mães solteiras e estabelece como pano de fundo o trauma coletivo da Guerra Civil Espanhola, com muitas famílias buscando respostas sobre suas origens apagadas pela guerra. Seguimos, por exemplo, os esforços de Janis para conseguir a exumação dos cadáveres dos antepassados de sua família e da vila onde nasceu, vítimas de assassinatos políticos perpetrados pelos franquistas durante a guerra civil.
Isso não é jogado à toa. Um dos elementos-chave sobre o filme é a busca pela verdade. Janis descobre algo que aconteceu no hospital durante o nascimento de sua filha, levando-a a encontrar respostas. Não bastasse, acompanham-se também as idas e vindas de Janis em seu relacionamento com Arturo, as frustrações envolvendo o equilíbrio entre a maternidade e sua vontade de retornar ao trabalho de fotógrafa, as complexas relações familiares de Ana e Arturo, entre outras coisas.
Se parece haver muitos pontos para um filme só, é porque essa é a intenção de Almodóvar. O autor entende que o tempo é dinâmico e possibilita caminhos diferentes. Mais uma vez fomos agraciados com uma conexão mágica entre o diretor e Penélope Cruz em seu oitavo filme juntos. O resultado é mais uma parceria para ser ovacionada.
Dentro disso, é muito preciso que este novo filme se encerre não pela resolução do melodrama – até porque o cineasta permite que as protagonistas acertem as contas sem grandes efeitos – mas pelo registro emocional do viés histórico buscado. O cineasta consegue quebrar um pouco essa bolha melodramática com um tema frio, triste e denso, mas que faz parte da vida de inúmeras mães paralelas, de todas as idades, em qualquer país do mundo onde ditadores e suas legiões assassinas desapareceram com oponentes políticos. Mudar o mundo e criar uma nova vida é extremamente importante. Mas de igual importância é saber quando fechar, definitivamente, um ciclo trágico. Essa é a encruzilhada na qual a derradeira cena de Mães Paralelas nos deixa. A imagem final do longa reforça não apenas a mensagem de Almodóvar com a trama, mas as dores envolvidas no resgate e correção de atos que permeiam todos os lados de sua obra. A maternidade aqui é a base de tudo, enfim.