Dá para sentir ao passar por um bar em uma esquina cheia de pessoas. O barulho é alto e quase uniforme, mas em cada uma das mesas daquele bar existe um universo particular. Cada uma daquelas pessoas carrega em si, histórias e versões diferentes daquele mesmo bar e da cidade. Penso nisso enquanto caminho pelas ruas históricas de Porto Alegre e imagino todas as pessoas que já passaram por ali. Imagino quais eram os seus destinos, com quem elas estavam e o que sentiam naquele momento.

Palimpsestos são pergaminhos em que o texto original foi apagado para dar lugar a um novo. Eu gosto de ver a cidade assim. Esses dias, no meio da tarde, sentei num bar da Andradas para tomar uma cerveja. A energia boêmia daquela rua, onde parece que o tempo passa diferente, é incrível. A tal cerveja que eu pedi no bar não veio tão gelada, mas não consegui me importar tanto assim. Me distraí observando as mesas dos outros bares. Numa dessas mesas, quatro homens de meia idade conversavam com tanta naturalidade entre goles que parecia ser algo que eles faziam há anos. Acendi um cigarro e continuei caminhando pela Andradas: Casa de Cultura Mário Quintana, livrarias e mais bares. Quisera eu poder entrar em cada um desses lugares. Talvez eu faça isso em um outro dia.

Caminhei até chegar na Orla do Gasômetro. Confesso que tenho poucas experiências lá e, então, ainda sinto muito aquela sensação gostosa de conhecer algo novo. Pausa para mais uma cerveja. No Boteco do Paulista desta vez. Bem diferente do que costuma ser durante as noites em que seus arredores ficam lotados, me surpreendi com o charme que o bar possui à tarde. Continuei a caminhada pela orla até chegar na região que foi inaugurada recentemente. A tardezinha anunciava a noite que logo chegaria. Meu próximo destino era a Cidade Baixa.

Nunca me considerei uma pessoa que gosta de caminhar por aí, mas algo em transitar por esses pontos a pé me parecia muito atrativo. O calor e o cansaço dão lugar a uma curiosidade e uma vontade de viver cada momento. Atravessei o Largo dos Açorianos – um dos meus pontos favoritos da cidade – para chegar lá. Brindei à noite com um sorvete de uva da Sorveteria Jóia depois de passear entre a Lima e a República. Vi uma professora de História que me ensinou muito nos anos iniciais. Pensei em cumprimentá-la, mas ela estava com a família e eu não quis atrapalhar. Talvez eu tenha passado a ver a cidade desse jeito romântico quando comecei a escrever crônicas, mas agora não consigo vê-la de outra forma.

Dias assim fazem com que eu sinta que, de alguma forma, estou escrevendo por cima desses palimpsestos que tantos outros já escreveram antes de mim. Acredito que mesmo depois de anos, quando voltar a esses lugares, irei lembrar da cerveja morna, do cigarro, da companhia do meu melhor amigo e de como o tempo passava diferente. Enxergar Porto Alegre assim tem me sido muito útil.

Eu atravesso a Borges de Medeiros quase que inteira para chegar no meu trabalho e se não fosse pelos estabelecimentos folclóricos, pela estética deslumbrante do Viaduto Otávio Rocha ou pela calmaria que cresce gradativamente conforme você se afasta da parte comercial do Centro Histórico, eu já teria sucumbido ao cansaço dessa rotina. Me anima a ideia de ainda ter tantas ruas para conhecer e tantas histórias pra escrever. Não saber quais surpresas me aguardam a cada esquina me motiva a continuar caminhando e, consequentemente, a continuar escrevendo. 

Escrito por

Cainan Silva

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