Não é sempre que uma mulher atinge o posto de diretora, muito menos em um gênero por tantos anos hipersexualizado como o terror. Subvertendo essa realidade, diretoras como Jennifer Kent (O Babadook) e Julia Ducournau (Raw) receberam grande prestígio pelas suas obras igualmente sensíveis e arrebatadoras nos últimos anos.
É neste ambiente que Mimi Cave estreia na direção com Fresh (2022), horror que apresenta a incerteza do namoro na era dos aplicativos e da superexposição. Logo de cara somos apresentados a Noa (Daisy Edgar-Jones), uma jovem de vinte-e-poucos anos cansada de arrastar para a esquerda e para a direita no seu celular.
É justamente na ironia que aparece Steve (Sebastian Stan). Afinal, em meio a inúmeros aplicativos de namoro e redes sociais, existe maior sarcasmo do que encontrar o amor da sua vida em um mercado?
Apesar dos primeiros trinta minutos calorosos – que quase fazem o espectador confundir a trama com um romance -, é sempre possível identificar uma certa estranheza na maneira como Cave dirige seus protagonistas. O roteiro de Lauryn Kahn faz questão de colocar o espectador como um voyeur de tudo o que está acontecendo, como se algo estivesse à espreita atrás da câmera.
Aqui é possível perceber as claras influências da diretora. Embora não embarque no surreal, como no seu curta Vessel (2015), o uso de câmeras pouco estáticas combinadas com a edição de Martin Pensa (Clube de Compras Dallas) aderem ao sentimento de estranheza saliente, como acontece com o seu óbvio comparativo Raw (2016), da francesa Julia Ducournau.
Ainda assim, o estranho não torna o filme intragável. Pelo contrário, Cave se utiliza desta situação com consciência para fazer humor e trazer a sua feminilidade para a tela. Com um passado como dançarina, a diretora aplica a partir desta arte pontos importantes da trama. Tal qual Patrick Bateman possuía o seu carisma ancorado na obsessão pela música, Steve consegue tocar a realidade com sua relação com a dança – e a cena de Sebastian Stan dançando ao preparar um prato de comida está entre os destaques do longa.
Quem assume a cinematografia é Pawel Pogorzelski, colaborador frequente de Ari Aster (Hereditário, Midsommar). O filme possui um contraste grande entre a liberdade e o cárcere, com alusão de parques abertos e de casas claustrofóbicas com iluminação calorosa, respectivamente.
O roteiro pouco preenchido de mensagem ou de subjetividade impede o filme de atingir o patamar técnico apresentado com o trabalho de Cave. Não há nenhuma reinvenção do gênero ou trama mirabolante. Na verdade, Fresh apresenta-se como uma abordagem consciente, simples e direta – e definitivamente coloca o nome de Mimi Cave no mapa.