Se você está acostumado as eleições nos grandes centros urbanos e tem dúvidas de como ocorre o processo eleitoral nas pequenas e afastadas cidades brasileiras, Curral é o filme necessário e indispensável para compreender esse ciclo político complexo.
Dirigido e roteirizado por Marcelo Brennand, do documentário Porta a Porta (2011), o longa-metragem se passa em Gravatá, uma pequena cidade no interior de Pernambuco, cuja as eleições para vereador e prefeito estão em curso. De um lado, temos bandeiras vermelhas. Do outro, bandeiras azuis. A tonalidade é posta como uma lembrança de como nosso sistema político realmente funciona.
Nessa narrativa somos convidados a conhecer o advogado Joel (Rodrigo Garcia), candidato lançado como a terceira via e caracterizado por suas roupas e bandeiras amarelas. Ele se autoproclama como a mudança, dizendo estar disposto a pôr fim a todo e qualquer tipo de corrupção e injustiça contra o povo de Gravatá. Para isso, Joel irá usar da mesma artimanha que muitos políticos costumam empregar: apresentar-se como um salvador da pátria em relação as comunidades, apesar dessas serem excluídas pelo establishment e só se tornarem visíveis em época de campanha.
No processo eleitoral, Joel convida seu antigo amigo e morador da comunidade, Chico Caixa D’água (Thomas Aquino), para ser seu cabo eleitoral e fazer a mediação entre o povo de Gravatá e a burguesia. Apesar de primeiramente ficar em dúvidas em relação a idoneidade das propostas de Joel, Chico passa a analisar o sofrimento rotineiro da sua comunidade em busca de água, remédios e emprego, e acaba aceitando a proposta, tornando-se braço direito de Joel em sua campanha.
Mergulhado em imagens naturalistas, a fotografia nos faz acompanhar quase que documentalmente e com fluidez os passos de Chico, desde as suas andanças pela cidade, subindo e descendo as lajes com seu filho, entrando e saindo de casas, refletindo sobre a situação em que se encontra e em busca de melhorias para os bairros com qual possui um laço afetivo, até seus passos já como assessor de campanha do candidato Joel.
Há possíveis críticas ao protagonista Chico pela forma como se torna um bode expiatório da transição do discurso
burguês ao povo, mas sem criar exceções para tal. O espectador entende as reais motivações de Chico, um homem crente no processo político e nas promessas de mudanças, que acaba desiludido e rasgado por esse mesmo processo. É por isso que não o condenamos por seus atos genuínos durante o filme.
Vale ressaltar que a água é motivo de discussão mais latente da campanha, sendo um adendo diferencial no filme. Seja presente no apelido do protagonista, seja presente no nome do bairro mais pobre da região, tudo é apontado para esse elemento, que é um dos mais célebres e escassos no sertão brasileiro. Há uma preocupação imensa do diretor em mostrar os espaços em que a ágil trama se desenvolve, através de ângulos interessantíssimos de uma
cidade do agreste. O som também é captado sempre como uma forma mais explicativa: rádios e caixas de música nos informam qual candidato tem a ficha suja e qual a intenção de voto nas comunidades, tudo isso para acompanhar os embates possíveis, sempre preparando o espectador para a catarse do ato final.
É terço final, aliás, que somos agraciados com o ponto alto do filme, através da contribuição do grande José Dumont, que surge no ato final como atual governante da cidade em busca da reeleição, dos seus diálogos e discussões com Chico Caixa D’água, e de como costura alianças, evidenciando o coronelismo através de atividades ilegais e antiéticas, como a compra de votos e regra de favores, que estão ali presentes.
Diante do que já conhecemos dos currais eleitorais, Brennand compreende muito bem como naturalizar a derrocada política, onde a esperança vai morrendo numa história. E nos mostra de forma didática algumas relações políticas e as consequências dos meandros usados pelos candidatos em busca do poder a qualquer custo. Algo que pode acontecer em qualquer lugar do mundo. Sem o propósito de nos atormentar ou consternar, mas sim de causar um debate sobre as falhas de representação nas câmaras e assembléias parlamentares, além de levar a reflexão e ponderação sobre as nossas escolhas políticas nas urnas.
Assista ao trailer:
Crítica escrita por Victor Dellazeri
Meu nome é Victor, sou estudante de políticas públicas para fins de questionamento e um entusiasta da sétima arte, música, futebol e ciclismo.