Para entendermos e compreendermos o docudrama produzido por Luiz Bolognesi (Ex-Pajé, de 2018) e Davi Kopenawa (A queda do céu, de 2015) é necessário analisarmos o contexto histórico que nos trouxeram até aqui. Desde a “descoberta” do Brasil em 1500, vivemos e estamos acostumados a uma cultura europeia, na qual os brancos tomaram e empossaram a maioria dos terrenos que outrora pertenciam, por direito, aos povos originários. A partir dessa premissa, somos convidados a conhecer os Yanomami, protagonistas de A Última Floresta.
Os Yanomami são um grupo isolado de indígenas que vive na profunda Amazônia, ao norte do Brasil, entre os estados de Roraima e Amazonas, e ao sul da Venezuela, há mais de 1000 anos. Liderados pelo Xamã Davi Kopewana Yanomami, cuja missão é manter viva as tradições milenares do seu povo e contá-las para o homem branco que, segundo ele, nunca os viu, nem os ouviu. Ele também lidera a proteção de sua comunidade diante da eminente invasão dos garimpeiros.
A história dessa comunidade é repleta de mitos e folclores, entre o sobrenatural e o realismo. Uma delas, apresentada por Davi Kopenawa, é dos irmãos Ohmana e Yoasi, seres encantados que formaram a floresta e a tribo Yanomami. Ambos eram os únicos humanos na terra e viviam com seres e espíritos sobrenaturais. Segundo a lenda, os outros humanos nasceram da união entre Ohmana e Thuëyoma, uma deusa mítica que vivia sob as águas e foi pescada por Ohmana. A partir de um ato traiçoeiro de seu irmão, Yoasi, que machuca Thuëyoma, Ohmana decide expulsá-lo da floresta. Com medo dos espíritos malignos, ele acaba por esconder os minerais da região embaixo da terra, para ninguém tocar. Perceba que há uma relação entre o conflito mitológico dos irmãos e o garimpo real, o que acaba tornando mais crível a história. Essa parte folclórica e sobrenatural do documentário é uma das mais interessantes e bonitas do longa, dando mais lirismo a história.
Outro ponto importantíssimo que o documentário aborda é a temática do feminismo indígena, debate que vem crescendo através de duas pautas principais das mulheres indígenas: a defesa coletiva dos territórios e dos seus direitos como mulheres. O filme nos mostra com muita representatividade essa força e independência das mulheres Yanomami, desde a produção dos cestos para comercialização, até a participação nas rodas de decisões da comunidade. Em certo momento, Ehuena, uma das mulheres com maior importância no grupo, diz as outras mulheres Yanomami: “Os antepassados não ensinam à toa. Criar uma associação de mulheres seria bom. Poderíamos trocar mais cestos por alimentos. Os cestos ensinados por Mamurona. Assim, poderemos depender menos dos homens. Nós, mulheres, podemos tecer mais, se estivermos juntas”.
É nesse ritmo que o filme emerge e se desenvolve no cotidiano de resistência da comunidade, desde a preparação dos seus arcos para combater os garimpeiros até o ritual xamânico que consiste na aspiração de um pó alucinógeno, que induz ao transe e a conexão com os espíritos da floresta. O olhar e abordagem da câmera é de um raro encantamento, valorizando as nuvens, a floresta e os traços iluminados que realçam a beleza dos rostos e seus adornos, além de uma fotografia incrível da oca circular que envolve a floresta Amazônica.
Por fim, o documentário se liga entre o mito e o realismo para projetar os Yanomani, um povo que pouco conhecemos, mas que está e continua em forte resistência. Trata-se de um documentário sobre conhecimento e aprendizado da realidade bruta, através de uma cinematografia poética e que respeita a potência e a beleza da sabedoria indígena.
Assista ao trailer:
Crítica escrita por Victor Dellazeri
Meu nome é Victor, sou estudante de políticas públicas para fins de questionamento e um entusiasta da sétima arte, música, futebol e ciclismo.
2 Comments
muito massa, ótima crítica, breve e clara. ansioso para assistir o filme.
Valeu, Gustavo <3