Reprodução: Portal Comunique-se 

Todo mundo sabe que a cena cultural muda através do tempo: a eminente obsolescência de livros, CDs e DVDs prova isso e ao mesmo tempo apavora os amantes da arte em seu formato tradicional. Eu sou uma dessas pessoas ligeiramente antiquadas e acomodadas. Gosto do antigo, do brega, do difícil. A facilidade de se ter absolutamente tudo na palma da mão ao menor toque, através do celular, me parece sem graça e sem mágica.

No entanto, algumas das almas antigas que insistem em idolatrar o clássico ultrapassam a linha do bom-senso e acabam como indivíduos puramente teimosos. Steven Spielberg se tornou um exemplo disso. Não me leve a mal. Eu sei apreciar os excelentes trabalhos do diretor, obrigada. Mas seus últimos comentários sobre o serviço de streaming da Netflix foram pura birra.

Para os desatualizados, retomemos os acontecimentos:

Com a crescente presença de filmes da Netflix em premiações de cinema – este ano, no Oscar, a plataforma levou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, com Roma, e Melhor Curta-Documentário, com Absorvendo o Tabu -, algumas questões foram levantadas sobre a legitimidade dessas indicações. Isso porque, para alguns, tais quais Spielberg, o Oscar deveria ser reservado para filmes que tenham sua primeira exposição no cinema. No serviço de streaming, isso não acontece: a exposição é na tela do computador de cada um (bem vindos ao século XXI), no conforto da sua casa.

A polêmica começou logo após a cerimônia do Oscar, quando rumores surgiram sobre possíveis medidas tomadas pela Academia para dificultar a futura participação de filmes produzidos e lançados por serviço de streaming na premiação. Steven Spielberg seria uma das caras por trás do movimento: em pronunciamentos recentes, o diretor e roteirista disse que a maior contribuição que pode fazer, como cineasta, é dar ao público a experiência teatral cinematográfica. Segundo ele, “se você se compromete com um formato de televisão, você é um filme de TV”; e obras que recebem aprovações simbólicas em alguns teatros por menos de uma semana não deveriam se qualificar para indicações ao Oscar.

No Twitter, a Netflix respondeu com classe e um tantinho de deboche. A plataforma disse que, além de amar cinema, ama dar acesso às pessoas sem condições financeiras ou que moram em cidades sem cinemas e dar, aos cineastas, mais maneiras de compartilhar a sua arte.

A caracterização de cinema por Spielberg me entristece. Um dos grandes nomes da sétima arte, minimizando-a à uma sala escura e uma porção de pipoca. Claro, eu entendo a magia da experiência teatral. A imersão do espectador no filme torna-se imensamente mais fácil e verdadeira quando não existem as distrações rotineiras e temos som e imagem nos cercando quase que por completo. Eu não tiro a razão de Spielberg quando ele fala no cinema como uma experiência social: compartilhar a arte com pessoas desconhecidas é uma vivência humana válida e enriquecedora. No entanto, o cinema é muito mais que o tamanho de uma tela e isto deveria ser reconhecido nas premiações.

Como ele mesmo já disse, o cinema é um modo de escapar; cinema é transporte. Transportar-se para novos mundos, novas histórias, e descobrir outras realidades. É se colocar no lugar de personagens completamente diferentes daquilo que conhecemos e perceber novas possibilidades. Cinema é cultura, emoção e autoconhecimento. E nada disso deveria ficar restrito a pessoas que podem pagar o preço do ingresso – cada vez mais caro.

Por isso eu digo: Steven Spielberg, a arte não precisa ser mais elitizada do que já é. Deixe os novos Jurassic Parks, E.T.s e Listas de Schindler serem reconhecidos pelas premiações e conhecidos por quem tem acesso somente ao serviço de streaming. Deixe que os novos tempos e as novas tecnologias levem a magia do cinema para mais além.  Afinal, a subjetividade da sétima arte é intrínseca e intensa demais para se tornar obsoleta.

O conteúdo da coluna é de responsabilidade da autora.
Escrito por

Luara Rodrigues

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