EPISÓDIO 1 

Vitória Cristofolli, @nuncanemvit_

Das muitas coisas que a pandemia nos tirou, talvez uma das que eu mais sinta falta seja o passear pelas ruas, olhar pessoas desconhecidas pelo caminho, me deixar perder em pensamentos imaginando qual o destino e a história por trás de cada rosto. Agora, o sair pelas ruas contêm uma pressa, como se a gente pudesse correr do vírus, e também, um medo do contágio, que nos afasta instintivamente do outro. Cada fragmento de rosto que enxergo, em parte escondido pela máscara, faz minha mente divagar num rumo mais neurótico e ansioso. “Será que esta pessoa está contaminada? Será que é assintomática? A máscara tem que tapar o nariz também! Meu deus, por que esta pessoa está sem máscara?”. Cada mínimo contato com o outro gera uma onda de aflição. “Será que me contaminei? Meu deus, alguém tocou no meu braço. Esta criatura está perto demais de mim”.

Eliane Brum, com toda a sua genialidade, disse – claramente, antes da pandemia – que a rua pressupõe o encontro real e  o se arriscar ao outro. Ela descreveu o que a rua era para mim, um pequeno universo de desconhecidos e possibilidades. Tudo aquilo que não é mais. Ah, Eliane, que saudade da tua (minha) rua.

Foto: Antônio Maciel/PMPA

Às vezes, me pergunto: será que a rua como conhecemos vai voltar a existir? Ou estamos fadados a ter nossos encontros mediados por máscaras e medo do outro? Pior, será que esta parede virtual que chamamos de tela vai continuar se sobrepondo nas nossas relações?

Respira, Carol. Expira. Respira fundo e solta devagar. De novo. Mais uma vez. Isso, agora está melhor.

Essa onda de perguntas me aflige, especialmente porque ninguém têm as respostas para elas. Os famosos especialistas fazem análises, dizem como deve ser, mas tudo não passa de achismos sofisticados. Ninguém sabe como será. E todos temem que o futuro seja tão semelhante ao que temos no presente.

Então, é nas lembranças de como a rua era que encontro um refúgio. Me ponho a relembrar das sensações, do vento no rosto, dos sorrisos e dos abraços. Ah, como eu sinto falta deles. Mesmo aquele rápido, acompanhado de um beijinho no rosto, apenas de cumprimento. É, eu sinto falta do outro. De ir desvendando, como num início de namoro, aquele desconhecido. Ir retirando as camadas que nos diferenciam até restar eu e ele. Dois estranhos e dois iguais.

Sim, Eliane, quero voltar a me arriscar no outro. Quero me reconhecer no olhar dele, mas também quero me descobrir. Aquele tipo de descoberta que só acontece quando nos vemos pelos olhos do outro. Desse desconhecido que eu não conheço mas quero muito conhecer. É possível sentir falta de alguém que não se conhece?

É, Eliane. Me tornei uma senhora com dores nas costas (maldito seja o computador e estas cadeiras nada ergométricas) que vive nostálgica a lembrar dos bons tempos. Afinal de contas, na minha época as coisas não eram assim. Elas eram muito melhores.

Ah, sim, eu reclamava muito das coisas como eram antes. E, acredita, que até disso eu sinto falta? Do ônibus que demora, do trem lotado, da catraca da Fabico, da aula interminável, da fila do RU. É, eu também não acreditaria que se me contassem há sete meses.

Pensei melhor, Eliane. Não quero só me reconhecer ou me descobrir no outro. Quero me perder no outro. Quero me aventurar no desconhecido. Voltar a sentir aquele mundo de possibilidades da nossa rua. Aquele vai e vem de histórias, um emaranhado de gente correndo para viver. 

Escrito por

Caroline Oliveira

1 Comment

    Maravilhoso texto!
    Inclusive me perdi no meio desse emaranhado!
    A descoberta das palavras com sua junção de letras, é fascinante!
    Parabéns Carol!

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