EPISÓDIO 2
Cinco da tarde de terça-feira. No céu, o sol do fim de março. Aquele sol confortável, meio laranja, rosa, vermelho. Aquele sol de cinco da tarde de uma terça-feira de fim de março. Decido riscar da minha lista de coisas a serem feitas o item de número sete: andar, sozinho, na roda-gigante da Redenção em um dia de semana. Pois o dia da semana é hoje, terça-feira, cinco da tarde.
Há um simbolismo por trás desse meu desejo. São cinco horas da tarde, é dia de semana. Milhares de pessoas passam pela Redenção, correm pela Redenção, mas é difícil, pelo menos nesse horário, que tenham a Redenção como ponto de chegada. Pois eu queria tê-la. Entro no parque, compro o ingresso e me rumo à roda-gigante.
Foto: Isabel Linck Gomes |
É verdade, o superlativo dessa roda é maior do que ela mesma. Porém, não me importa o tamanho dela, nem o tamanho de quem nela entra ou sai. Me importa que são cinco horas da tarde de uma terça-feira e estou prestes a riscar o item sete da minha lista de coisas a serem feitas.
Sento na cabine azul, agradeço o atendente, que me olha desconfiado. A roda começa a girar. Lentamente, vou tomando altura. Ao meu redor, vejo pessoas fazendo exercício físico, correndo, andando de bicicleta. Vejo engravatados e engarrafamentos. Nos poucos minutos que me levam do chão ao topo, conto cinco ônibus lotados passando pela Osvaldo. Na Osvaldo, também, vejo coqueiros, restaurantes e um prédio enorme, igual a todos os outros prédios enormes da cidade, ocupando o espaço que já fora de um cinema diferente de todos os outros cinemas da cidade. Um prédio-gigante, muito maior do que a roda em que estou.
Chego no topo e escuto um barulho. Um solavanco faz minha cabine mexer. As luzes que iluminam os brinquedos do parque se apagam. As luzes que iluminam o parque se apagam. As únicas luzes agora são as dos faróis dos carros e do sol laranja, rosa e vermelho. Faltou luz. O brinquedo emperrou. Estou preso no topo da roda-gigante.
De lá de baixo, o atendente pede calma e diz que a situação será resolvida rapidamente. Preso no topo, tiro um tempo – ou melhor, um tempo me é dado -, para ver a cidade de um jeito que nunca antes tinha visto. Sei que não é como seu eu estivesse no topo do mundo. Não como se estivesse no topo do prédio-gigante. Mas, do topo da roda, percebo uma cidade que até então me havia faltado aos olhos. Uma cidade luz, tal qual Paris, com igrejas, arcos, esculturas e torres. Tá bem. Não é Notre Dame, mas é um igreja. Não é do Triunfo, mas é um arco. Não é o Panteão, é um colégio, mas carrega no seu topo esculturas como as parisienses. Não é a Eiffel, mas é uma torre gigante, no lugar onde antes já foi um cinema.
Do topo da roda-gigante, a cidade em que eu moro é perfeita. O vento corre pelas árvores. Os pássaros correm com o vento. Sinto o cheiro da pipoca, do algodão doce. Quase não dá tempo de pensar que é uma terça-feira, cinco e meia da tarde.
Mas, então, escuto o barulho das buzinas que vêm da Osvaldo. Subitamente, olho para baixo. Ônibus lotados, engarrafamento, pessoas com pressa, com medo, cansadas. Claro que estão cansadas. É terça-feira, cinco e pouco da tarde. Bate-me um desespero. Que tolice. Fiquei menos de quinze minutos no topo e já esqueci de olhar para baixo. Deixei-me distrair por um arco, por um pássaro, e não vi o que precisava ser visto. Que a cidade está lá embaixo! Que a cidade são as pessoas e seus problemas, suas demandas e suas pressas. Meu deus! Fiquei meia hora no topo e comparei o prédio-gigante do outro lado da rua com a Torre Eiffel!
Mais um solavanco, a roda começa a se mexer. Vou voltando para meu lugar, junto de quem e de onde eu queria estar. Já perto do fim do passeio, observo uma mulher, um pouco mais velha do que eu, esperando na fila. Ao sair da cabine azul, vejo que ela assume meu lugar. É a vez dela de conhecer o topo. À medida que vou saindo, torço para que ela aprecie a vista, mas não se esqueça de olhar para baixo. Olho para o relógio. São cinco e meia.