EPISÓDIO 7
E o rio não é um mero detalhe na cidade do Porto: foi em função dele que a cidade ganhou vida social e econômica. A Ribeira no século XV fervilhava de pessoas ligadas às atividades que envolvem o rio e o mar; o comércio e as praças ao entorno eram os locais favoritos dos mercadores e dos burgueses. No final do século XVIII, o Porto atravessou diversas transformações, desde incêndios à invasões, o que fez com que as famílias ricas migrassem para a parte alta da cidade. Mas nem por isso o local perde o encanto e a efervescência; na verdade a Ribeira atualmente é um dos locais preferidos dos turistas, onde são encontrados restaurantes, comércios, lojas de lembranças e músicos de rua que tocam desde o fado mais triste até um MPB.
Como quase tudo na vida, a Ribeira tem dois lados. De um deles, a cidade do Porto. De outro, Vila Nova de Gaia. Para ir de um para o outro é preciso atravessar a famosa ponte D. Luís, local em que, no verão, alguns se aventuram a pular da estrutura de ferro diretamente para o Rio Douro, que, honestamente, é o Rio Guaíba um pouquinho menos poluído. Para isso, é preciso abdicar de três medos: o de altura, o de afogamento e o de pegar qualquer doença desconhecida. E é no contexto da travessia de um lado para o outro que eu já ouvi dos portuenses que a parte mais bonita de Gaia é a vista para a cidade do Porto. Na minha cidade chamamos isso de bairrismo, e eu, bairrista que sou, concordo com tal afirmação. É do lado de Gaia que o pôr do sol contrasta com o colorido das casas e se transforma numa das vistas mais bonitas em que eu já vi, e é nesse ponto também que consigo ficar cara a cara com a cidade pela qual tive o meu primeiro caso de amor à primeira vista.
A rota que eu faço pra chegar no meu ponto preferido é sempre a mesma: desço a minha rua e vou até a principal estação de metrô — a Trindade —, sigo pela Rua Aliados, passo pela estação São Bento, faço a parada quase que obrigatória na Fábrica de Nata para garantir o meu pastel, caminho pela Rua das Flores e desço até a Ribeira. E sempre que chego na Ribeira sinto uma saudade antecipada de morar aqui. Me questiono se um dia vou voltar e se vai demorar muito tempo para que esse retorno aconteça. Fico lembrando todos os momentos que já vivi ali: primeiro encontro do Tinder europeu, primeira visita às famosas cavernas que estocam os vinhos, momentos com amigos que já voltaram para os seus países de origem, desconfinamento e final do estado de emergência em Portugal e a primeira briga generalizada e assustadora que assisti por aqui.
Cidade do Porto. Foto: Taciana Farias |
E assim como ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, penso também que ninguém pode estar duas vezes nas margens do mesmo Rio Douro e da mesma Ribeira. Todas as vezes que eu desço ao encontro desse lugar, sinto que já sou outra, com novos pensamentos, dúvidas, vontades e sensações. Olho para o lado e também vejo novas pessoas, novas nacionalidades, novas línguas faladas e novos artistas de rua. Ou os mesmos artistas de rua tocando as mesmas canções, mas que já tem outro significado para mim e para quem ouve. E eu que não gosto muito de mudanças, sinto que quero sempre encontrar o meu lugar preferido de uma maneira diferente. Se ao longo da história a própria Ribeira mudou tanto, quem sou eu para permanecer a mesma.
Esta crônica foi escrita por Taciana Farias.
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Taciana Farias é estudante de Jornalismo na UFRGS e está em mobilidade acadêmica na cidade do Porto desde fevereiro de 2020. Gosta de conhecer lugares e pessoas novas, é viciada no Twitter e no Instagram, mas não dispensa alguns dias de paz offline.