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Os limites da polícia, da justiça e de nós mesmos

Os limites da polícia, da justiça e de nós mesmos

Os tempos são tão difíceis que para evitar ser mal interpretada gostaria de dizer, antes de mais nada, que este texto não tem o objetivo de defender Lázaro Barbosa. Aliás, esse texto pouco tem a ver com o Lázaro, o foragido que foi capturado e morto ontem. Esse texto é sobre nós, sobre quem somos e queremos ser como sociedade. Calma, vou me explicar.

Para quem passou os últimos dias em Nárnia, eu atualizo: uma força-tarefa policial procurava o homem de 32 anos desde o dia 09 de junho, após ele matar uma família em Ceilândia, no Distrito Federal. Na ficha criminal de Lázaro, constam três fugas da prisão, roubos, assassinatos e estupros. A perseguição que mobilizou dezenas de policiais e aparatos como drones, cães farejadores e helicópteros durou 20 dias e renderia uma série televisiva (que, de certa forma, foi feita por alguns veículos jornalísticos). Mesmo contra toda estrutura policial, Lázaro conseguiu escapar até a manhã desta segunda-feira (28), quando foi morto ao trocar tiros com a polícia.

Reprodução: G1, Globo.

Considerando a quantidade de policiais e equipamentos envolvidos, é, no mínimo, estranha a necessidade do uso de força letal. Segundo a Secretaria de Saúde de Águas Lindas (GO), onde o confronto aconteceu, o fugitivo foi atingido por 38 tiros. O boletim de ocorrência da captura informa que a polícia disparou 125 vezes durante a ação. Ainda que os crimes cometidos por Lázaro sejam bárbaros, a legislação brasileira não prevê pena de morte (e mesmo que previsse, não caberia às forças de segurança). Sim, ele merecia ser punido dentro do rigor previsto em lei.

Podemos discordar sobre a efetividade da lei para repressão de novos crimes e reabilitação de criminosos. Também podemos discutir a morosidade da justiça. Mas não podemos, de forma alguma, infringir a lei. O motivo é óbvio: ao burlar a legislação, ao criar regras e justificativas próprias, estamos nos igualando aos criminosos (sim, aqueles que tanto abominamos).

Ah, mas matar um bandido não é a mesma coisa que matar um cidadão de bem. Na verdade, perante a lei, é exatamente a mesma coisa. Assassino de assassino não é herói, é assassino também. As coisas pioram quando aqueles que devem garantir a segurança da população (de toda a população) se transformam naquilo que eles deveriam combater.

Reprodução: G1, Globo.

É deprimente ver a forma como os policiais carregam e atiram o corpo de Lázaro dentro da ambulância, especialmente considerando que ele foi baleado (a princípio, 38 vezes). Minha consternação está mais ligada a desumanidade desses agentes da lei do que a pena do bandido. A comemoração das forças de segurança é a pá de cal no enterro da nossa sociedade, em que os valores parecem estar tão distorcidos.

A história tem um outro lado também. A truculência da polícia destruiu a pessoa que poderia trazer respostas para as fugas espetaculosas e outros crimes. Poderia Lázaro sozinho driblar uma força-tarefa? Qual a motivação do assassinato da família em Ceilândia? Há quem avente a possibilidade de uma queima de arquivo disfarçada pelo tal confronto. Considerando a quantidade de munição usada, suspeito é não suspeitar dessa operação.

Não por Lázaro (mas também por ele), espero que as circunstâncias sejam apuradas e que os criminosos sejam culpados, caso comprovado o abuso de força policial. Chamo de criminosos porque é exatamente isso que serão aqueles que ultrapassaram os limites da lei em nome da justiça.

A forma como os policiais reagiram durante esta operação diz mais sobre a mentalidade das nossas forças de segurança do que sobre o Lázaro. Ele que deveria estar vivo e preso para ser punido conforme manda a Constituição, porque é assim que as coisas devem acontecer em um Estado Democrático de Direito.

Escrito por

Caroline Oliveira

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